Existem cheiros inesquecíveis. Cada pessoa tem seus prediletos. E basta uma mínima lembrança para que tudo volte: a temperatura do momento, a felicidade ou a tristeza que se sentia, as imagens de quem estava perto, tudo.
Cheiros
podem ser alegres ou tristes. Era muito bom quando se entrava em casa
depois do colégio, logo antes do almoço, e se sentia o cheiro do
refogado – alho, cebola e tomate – para fazer o picadinho ou o bife de
panela enrolado no bacon e preso por um palitinho. Quantos segundos você
leva para atravessar o tempo e voltar aos seus 11 anos?
Lembra
quando há muitos, muitos anos, você ia passar as férias na fazenda? Ah,
uma fazenda tem aromas absolutamente inesquecíveis: o do capim, o da
terra depois da chuva, o do estábulo onde se ia de manhã bem cedo tomar o
leite tirado da vaca, ainda morno, numa canequinha de alumínio. E o
cheiro da tangerina? Aliás, tangerina não, mexerica; aquela pobrinha,
modesta, de casca fina, que deixava a mão cheirando durante três dias.
Esse é um cheiro muito alegre.
O
cheiro do bolo saindo do forno é para sempre – bolo de tabuleiro,
cortado em losangos, com cobertura de açúcar com limão, e um detalhe
precioso: naquele tempo, por mais que se comesse não se engordava, e em
cima da mesa havia sempre um vidro de fortificante para abrir o apetite.
Que
felicidade ter tido uma infância no interior! Mas existem outros aromas
não ligados ao paladar e também inesquecíveis. O cheiro do mar quando
se chega em Salvador – uma licença poética, com licença.
E
você já teve uma tia-avó que morava numa casa bem arrumada, cujo
assoalho era encerado toda semana? O brilho era dado a mão, com uma
escova de cabo alto como uma vassoura, e era chegar e ouvir: “Cuidado
para não escorregar”. Que cheiro limpo, honesto, que cheiro de gente
direita. Será que isso ainda existe?
Mas
há também os cheiros angustiantes: os de hospital, de sala de cirurgia.
Muito cheiro de flor você sabe o que lembra – melhor não falar disso.
E
existem os perfumes ricos: de carro novo, de um bom fumo de cachimbo. E
vamos combinar: cheiro de alho é bom na cozinha, de sexo no quarto, e é
proibido misturar.
Por falar nisso, o cheiro do homem que se ama, depois do amor, é melhor nem lembrar para não desmaiar de saudade.
As
cidades também têm seu cheiro, cada uma muito particular: se você for
levada, de olhos vendados, para o Bloomingdale’s, sabe na hora que está
em Nova York.
E se respirar um aroma de cominho misturado a curry e a canela vai saber que está no souk de Marrakesh.
Mas
existe um cheiro que só as mulheres conhecem. É o que elas sentem
quando estão enxugando seus bebês depois do banho. É preciso que não
haja uma só pessoa por perto num raio de 200 metros para não haver
interferência de qualquer ordem. Sem nenhuma presença estranha – nem
mesmo a do pai –, mãe e filho poderão dizer bobagens e rir de coisas que
só eles vão entender. Depois do talco, a mãe vai botar o nariz no
pescoço de sua cria e cheirar com todos os seus cinco sentidos. No
princípio timidamente, mas cada vez mais forte, até quase arrebentar os
pulmões de tanto amor.
Na
hora a gente não sabe, mas um dia vai saber: não existe nada igual a
esse cheiro nem a esse momento, e nunca vai haver um melhor.
OS CHEIROS...
( desconheço autoria)